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De vítima para agressor
10-05-2012 18:16De vítima para agressor
Quando te conheci o meu mundo ganhou novos horizontes e novas cores que nunca imaginei algum dia possuir. Falava de ti como se do meu ar se tratasse, como se a existência afinal apenas fizesse sentido se contigo estivesse, se contigo pudesse partilhar sonhos, se contigo partilhasse a minha vida. Entreguei-me e esperei receber. Nunca imaginei que a áurea misteriosa que possuías pudesse esconder mais do que aquilo que eu queria ver; referia-me a ela como se um qualquer dom sobrenatural se tratasse e nele me envolvesse, como se esse mistério fosse também meu. Mas nunca consegui explicar esse dom ou esse mistério. Nunca percebi por que é que os meus olhos não viam através desse véu. O amor e fascínio que sentia por ti pesavam tanto que os meus olhos apenas viam até ti, nunca através de ti. Também nunca me apercebi de que afinal os teus olhos não estavam em mim colocados, mas apenas parados em ti mesmo. Eu não conseguia ver. Nem mesmo quando me agrediste pela primeira vez pude ver além da agressão, porque o choque não me permitiu ver em ti o que eu não admitia em mim. Riste-te. Lembro-me todos os dias da minha vida o quanto te riste da minha sumida pergunta “porquê”? Não conseguiste entender que essa foi a pergunta a que eu queria que nunca respondesses. Não entendeste nunca que essa foi a pergunta que eu jamais quis um dia fazer. Depois, atingiste-me de todas as formas. A agressão física passou a ser o meu menor mal. Elas apenas revelavam um pouco do estado em que deixavas a minha alma, o meu amor-próprio, a minha estima pela vida. Aos poucos, parecia que a vida era um enredo e que um dia regressarias como aquele que eu imaginava estar por detrás daquele véu que o meu olhar teimava em não atravessar. E por te amar tanto reformulei-te e expliquei-te dentro de mim imaginando-te perfeito. Construí um mundo, agora só meu. Eu e otu imaginário. Não se me afigurava sensato sequer fugir porque tu eras enorme e interior de mim. Fugir não. Até ao dia que vi o nosso filho ser atingido pela tua força. Não te vi, amor. Apenas vi o nosso filho. Vi a dor e o olhar de incredulidade do meu filho. Nesse momento a agressão que antes me atingia e em mim ficava sumiu e consegui ver além de ti. Esse foi o momento em que te vi nu. Vi-te não como o meu ar, não como o meu destino, mas como o meu vício, o meu infortúnio. Vi também duas coisas amor: a primeira, que a razão que me leva a partir é exatamente aquela que me levou a ficar: tu; a segunda, que o motivo de eu não querer voltar é maior que tu e eu: o nosso filho. No entanto, neste momento que parto sinto uma grande tristeza. Sabes «porquê» amor? Porque sei que parto com mais uma vítima …
Este texto exprime a minha reflexão atual sobre a relação vítima/agressor, mas nem sempre pensei deste modo, isto porque como mulher me foi ensinado social e culturalmente que o homem tinha sempre razão e que a nós, mulheres, cabia apenas submeter-nos às decisões desta sociedade patriarcal, mas nem sempre justa.
Paula Madruga, Processo RVCC de Nível Secundário
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